quarta-feira, 23 de novembro de 2011






Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum,
o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas.
Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação.

Caio Fernando Abreu









Era essa minha realidade – conflito. Na verdade ainda é. Ainda existe aquela vontade boba de não continuar. Não aqui, desse jeito torto que ando levando. Eu inventei meus próprios fantasmas, destruí meus castelos e minhas bonecas, vesti um macacão e desejei aprender a jogar bola. Esse era minha forma de ser forte, livre, e até um pouco eu.






Deixei de lado os vestidos, os bons modos e a delicadeza, pra esconder de mim que ainda doía todos os becos e poços que a vida cava. Pra ser mais sincera, me lembro perfeitamente do dia que tomei essa decisão, aos 5 anos, quando por uma brincadeira tola um amigo me empurra da escada e com toda minha coragem de vida decidi quebrar o nariz dele. E consegui. Depois daquele dia, os papagaios, o futebol e os carrinhos eram mais interessantes. Mesmo comendo ração pelos próximos dois anos, por manipulação da minha irmã, me considerava a criança mais livre da escola toda.







Criei com o tempo um muro de Berlim entre eu e as pessoas. Isso parece clichê, e vai ser, e é clichê, mas tudo bem. Tinha medo das pessoas, do que elas pensariam, falariam, se falariam. Tinha medo de ser vista, de não ser vista. Vergonha das minhas orelhas, pé, e estômago. Essas visões burras que temos da vida.







Levou tempo pra parar de doer, pra parar de sangrar as feridas do dia-a-dia, levou tempo pra esquecer os tapas de quem deveria me proteger, a brutalidade de quem deveria fazer carinho, pra parar de delegar obrigações e deveres para as pessoas, e o silêncio, o meu silêncio diante de tudo. E sim, não sei por que estou falando isso, mas sinto como se deveria ser sincera, comigo, com todo mundo, com o carinha da padaria que não entende o motivo de alguém tatuar qualquer coisa se transformando em pássaro.






Nesses últimos anos tentei de tudo, tentei não tentar, tentei desistir, voltar pra casa, sair de casa, encontrar uma casa, algum lugar pra chamar de meu. Tentei parar de sentir e de ser esse poço sem fundo de intensidade. Tentei ser prática, biscate e sapatão. Tentei ser homem, mulher, travesti e invisível. Tentei não ser, parar com essa paranóia que gente pseudo-cult tem de ser conhecer. Encontrei com gente de tudo que é tipo, que tem fetiches estranhos, comuns, anormais e banais. Vi gente sendo feliz vestida de rainha, cachorro, criança. Vi gente que só sentia tesão se fosse pisoteado, outros se fossem vendados e afins. Vi gente que queria ser pássaro, cachorro, astronauta. Vi história que me fez chorar, sentir raiva, nojo e até desespero. E no meio dessas histórias eu tinha, quase que por obrigação, encontrar ou escrever a minha.







E sem querer fui escrevendo a minha e percebi que muita gente escrevia comigo, até sem querer, sem perceber, sem notar o que aquilo, aquele ato de pegar a caneta e borrar a vida do outro que nesse caso era eu, significava. Encontrei quem me dava colo, tapas na cara pra acordar, dinheiro, comida e carinho. Encontrei também quem estava na contra-mão, mas cada dez pessoas correndo na contra-mão eu encontrava um pra me dar a mão e me arrastar pra frente.







E quando tudo parecia no lugar, decidido, definido. Tudo muda, tudo se perde. E nesse momento em que tudo parece dar errado, em que tudo dá errado fugir parece ser a única solução. É, desistir. Mesmo não parecendo nobre, honesto. Fugir é minha vontade, sair correndo em círculos até um vento mais forte decidir por mim. Muita preguiça, confesso. Mas do meio da fuga, tudo acontece.





Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer


E foi mais ou menos isso. Quando achei que tinha encontrado tudo que precisava, tudo se mostrou antigo. Mudei. Me mudaram. Acreditei que era livre, ou que existia um contrato com a liberdade, mas contratos precisam ser renovados.


Acho que poucas pessoas entendem de fato o que é isso pra mim, o que é mudar e mudar o caminho, os amigos e. Continuo perdida, parada e patética. Mas agora parece que tudo começa a ter um sentido, um foco, um motivo, um destino...ou qualquer coisa que me obrigue a continuar. Uma espécie de fé. É, fé. De pouco em pouco tudo parece voltar a ser meio mágico.


Não poderia deixar de agradecer quem me deu colo, abraço, carinho, broncas e broncas. Agradecer quem me abriu a casa, a família, o companheiro e o coração. Quem me abriu os olhos, os caminhos e a coragem. Coragem de perder o medo de tentar de novo.






Por isso, pelas cervejas divididas, os finais de semana compartilhados, os filmes, as brigas, as tequilas. Por isso e por muito mais. Eu possuo um apresso imenso por todos vocês.



Nenhum comentário:

Postar um comentário