
Arte: Cacá Fonseca - Texto: Caio Sóh
Hoje é um dia azul de maio e eu aqui, segunda-feira de manhã, olhando a roseira do pátio cheia de botões, fechei a pasta com a tradução das tuas histórias e fiquei pensando em ti. Estranho,
quando penso em ti, das tuas muitas imagens, me fica sempre uma na cabeça – aquele rosto um pouco endurecido demais, com muitos vincos em torno dos lábios apertados, e um brilho nos olhos. Aquele brilho que têm os olhos das pessoas que viram coisas que outras pessoas não ousaram ver. Lendo essas tuas duas histórias – romances curtos, novelas, confissões de um amor muito pessoal: que importa, afinal, o nome? – além do teu rosto marcado, ficaram muitas coisas na minha cabeça. [...]
E te castigavas, mas não desistias, e do conflito entre o proibido e o sagrado nasciam histórias como essas duas, e teus filmes, teus poemas, teus sonhos. Teu jeito vigoroso e ao mesmo tempo doce de tentar modificar o que nos cerca. Fico pensando depois, enquanto o telefone toca e não atendo, que se existe alguma forma de modificar o mundo e as organizações socias repressoras dentro dele, talvez seja a dos poetas uma das mais eficientes, qdo abrem o coração para, devagar e sofregamente, mostrar aos outros tudo o que se passa dentro dele. É nesse momento que conceitos como moral, certo, errado, bem ou mal deixam de ter sentido. Fica no final de tudo só a vida que flui e reflui sem nome, imensa. Porque nada do que possa se passar no coração humano é vergonhoso. Nada é impuro quando acontece aquele atrevimento mágico de transformar a vida em ARTE. Penso em ti quando a vida me pesa e as pessoas batizam com nomes sórdidos esses lados escondidos da emoção. E fico sempre mais forte, mesmo sentindo saudade, sem saber que te alcanço aí, nesse outro lado de todas as coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário