terça-feira, 18 de maio de 2010

Filha do delírio.


O bom filho a casa torna e eu como uma boa filha volto à casa do delírio. Volta à casa que já não é mais a mesma. Se é que algum dia a casa foi alguma coisa, teve alguma forma, fez algum sentido. Mesmo a casa estando diferente, mesmo eu sendo diferente, mesmo o delírio sendo outro, mesmo a sensação sendo nova, mesmo sendo o mesmo, mesmo assim... Eu me sinto em casa!

E me sinto mais do que em casa, me sinto segura, longe do bicho que me assombra, longe do normal, da norma, da normalidade. E o delírio ri da minha cara ao ver essa minha sensação e com o olhar irônico me leva a pensar que ali seria só um lugar onde a norma era não ter norma, o que não deixa de ser uma norma e que com isso estaria eu ligada novamente ao que tanto repudio.

E isso me causou espanto, procurei um lugar para sentar e o primeiro prato que vi puxei para me fazer companhia, para então segurar o peso do meu corpo no meu lugar, nem que fosse por alguns instantes. E meu corpo seria assim tão pesado? Ou seria eu preguiçosa demais para assumir meus pertences? Esse corpo que uso seria meu? Acho que não, afinal tanto tempo fazendo dele morado de desejos alheios que no fim ele se tornou apenas um objeto, um instrumento, um pensamento, uma ilusão. Teria eu o corpo de volta? Pra que tê-lo de volta? Melhor ele lá, longe de mim.

Quanto mais procuro uma resposta, uma solução, mais confuso tudo fica, a casa, os móveis agora agitados com a minha presença e minha cabeça, que parece se transformar tão rápido quanto o relógio de mesa.

O prato me carrega até um vaso sanitário, branco como o branco, que se destacava na cozinha. E entrei. E a luz era tão luz, tão intensa que me cegava. A luz me levava a uma escuridão. E minha voz me falava, gritava pra mim, me questionava o que via dentro daquele vaso. Eu não via nada. Talvez porque estava cega. Será que eu desejava mesmo enxergar? Nada, nada tinha lá, porque nada tinha dentro de mim. Não poderia entender aquilo que via, ou aquilo que não via. Não poderia entender porque não entendia a claridade que existia dentro de mim, ou que eu construí dentro de mim, mas que estava lá, ou não. E o delírio me questionou rindo se aquele vaso realmente existia, ou se era apenas uma ilusão minha, e respondi perguntando: Será que eu existo? Ou sou apenas uma invenção sua, delírio? Nós rimos, então.


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