
E no fundo me confundo da origem desse vazio, se é pela partida de Clarice ou pela minha partida. Na verdade não sei quem foi embora primeiro, eu ou ela. Era evidente o sufoco que minha presente-ausência provocava a Clarice, que a cada dia que passava me afastava mais do seu convívio até que chegaria o dia que seria impossível toca-la. E esse dia chegou.
Clarice não chorou, não foi dramática e nem rude e também não voltou atrás. Clarice estava decidida a ser feliz e eu era o nó que faltava pra sua liberdade. Era minha presença que impedia Clarice de recomeçar e deixar para trás tudo de ruim, tudo que ela não queria carregar nessa nova fase. E eu não fui selecionado pra ela.
Na primeira noite sem Clarice não dormi, não comi, não chorei. Era como se aquilo não fosse real e que Clarice fosse sim entrar pela porta do quarto com aquele sorriso tímido e dizer que precisava-de-mim-pra-ser-feliz-pra-sempre. Mas a porta não se abriu Clarice não entrou e eu continuei ali até a claridade do sol arder em meus olhos avisando que era hora de levantar.
Sem Clarice era como viver com sede de algo que não existe. Era uma fome constante, um buraco enorme no peito. Sem Clarice era difícil respirar. Era como se todo ato de vida fosse uma tentativa falha de ter Clarice novamente, mas morrer fosse deixar Clarice de vez e isso eu não queria e não podia porque precisava de Clarice até para ter coragem de morrer.
Clarice tinha levado tudo de mais precioso, as fotos de infância, o pinguin-feio de geladeira, as xícaras de café sem açúcar e meus movimentos. Sem Clarice era difícil caminhar porque Clarice era meus passos, o meu equilíbrio e meu destino.
E Clarice era minha voz e eu agora mudo suplicava desesperadamente para que ela voltasse e me entregasse novamente minhas gargalhas estridentes. Clarice se cansou até das minhas crises idiotas de riso, das minhas brincadeiras infames e do meu amor bobo e pouco dedicado a ela.
Clarice era muito pra mim porque era a prova viva de tudo que perdi nesses anos inúteis de vida. Clarice era o motivo pra que eu fosse melhor a cada dia porque ser bom pra Clarice era estar vivo, era sentir o sangue quente correr em minhas veias prejudicadas pelo vicio a cada sorriso de Clarice.
Clarice era o meu motivo de amar e nossas longas noites de amor me faziam sentir homem outra e outra vez e me obrigava a ser melhor porque Clarice merecia o melhor de mim. E a toda manhã enquanto o sol rasgava a janela o quarto pequeno de cortinas brancas eu rasgava de mim o melhor para oferecer a Clarice no primeiro instante do dia.
Clarice me fazia ter certeza que todos os dias seriam ótimos só pelo fato de que era ela que me dava o primeiro ‘Bom dia, amor’ de manhã. E com Clarice todos os problemas deixavam de ser problemas porque podia estar dando tudo errado que ao ver Clarice tudo estava certo e em seu devido lugar. Clarice era minha tranqüilidade de seguir.
Clarice foi embora e me deixou um vazio no peito e não o desespero de estar só, mas de estar sem ela. E eu estava sem Clarice.
Sem Clarice só percebia que o dia tinha chegado ao fim pela falta de luz por trás da janela quase fechada e eu sabia que era o fim de mais um dia sem Clarice, mas com essa esperança faminta de um dia poder respirar aliviado, sem esse desespero de não saber a quantos anos, dias ou horas estava sem Clarice, porque não importava há quanto tempo estava sem ela, mas sim que eu estava sem ela e isso me comia por dentro, por fora, pelos lados, pelos buracos, pelos poros, pelos olhos.
A ausência de Clarice me forçava a ficar estático esperando qualquer possibilidade de vida entrar pela porta, esperando Clarice entrar e me devolver minha vida, mas Clarice não entrou e eu continuei estático tentando manter Clarice viva na casa, no quarto e
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