domingo, 9 de maio de 2010

Lembranças de Clarice.


Clarice sabia como fazer falta e como fazer que essa ausência fosse sentida. E eu sentia.

Sem Clarice eu era vazio, porque Clarice era tudo que eu tinha por dentro e tudo de bom que eu era dependia de Clarice e assim mantive Clarice viva nas conversas de beira-de-esquina, nos longos banhos, nos dois copos de cerveja, até na ausência de luz Clarice se fazia presente, como uma tentativa angustiada de sentir Clarice, de me sentir vivo.

Clarice nos finais de semana acendia velas pelo apartamento escuro e sentava na poltrona perto da janela para fumar observado algo que só ela era capaz de enxergar. Enquanto Clarice fumava, eu permanecia estático observando o olhar atendo de Clarice para a luz da vela.

Clarice era sutil, ao lado dela era impossível saber com certeza quando ela chegaria ou quando ela partiria e se fosse partir não se tinha garantia de volta. E eu de nada sabia ao seu lado.

Clarice sabia como me deixar perdido em suas não demonstrações. Eu poderia viver tentando decifrar Clarice, mas Clarice não era feita pra isso, o encanto dela era justamente aquele mistério.

Clarice por longas noites de amor me embriagou com seu sorriso tímido e me pediu com o olhar doce que descobrisse seu corpo, seus mistérios e eu a servia fielmente todas as noites e deixava que Clarice fizesse o que bem quisesse de mim e sussurrava em seu ouvido de pele quente que eu era inteiramente seu e pedia... Faça-de-mim-o-que-quiser-mas-faça-não-deixe-de-me-usar-porque-sou-apenas-seu.

E Clarice sabia como ninguém me deixar loucamente viciado. E Clarice era meu vício.

Vício esse que não poderia viver sem, porque Clarice era meu ar, meu motivo de continuar a existir. E com Clarice eu existia.

Mas até quando Clarice suportaria meu modo dependente de existir? Perguntava-me toda noite ao vê-la dormir em paz.

Clarice existia de modo tão leve, tão sublime. Clarice era mulher de suspiros profundos, olhar convidativo e voz mansa, o que a não tornava necessariamente uma pessoa mansa, porque Clarice não era.

Clarice era decidida em seus gostos, em seus jeitos e criteriosa em suas amizades. E eu era um sortudo de estar ali, ao seu lado.

Com Clarice aprendi a ser organizado, a ser claro mesmo ela sendo subjetiva. Aprendi a gostar de música boa e vinho de qualidade. O que era o oposto de quando nos conhecemos. Era interessante ver como Clarice foi capaz de mudar e de me mudar nesse tempo.

Clarice me fez gostar de ler e li pra ela todas as noites e mesmo sem Clarice mantive vivo esse costume e lia, agora, para a ausência de Clarice.

Com Clarice conheci as noites, seus mistérios, encantos e as estrelas. Clarice dizia que elas eram seu guia. E Clarice me guiava. Clarice era minha estrela. Minha...

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