
Clarice não queria mais e esse desejo estava estampado em suas palavras tão secas que se eu ousasse tentar tocar elas desmanchariam em minhas mãos tremulas de medo. É, medo. Medo de não conseguir deixar Clarice como ela estava me deixando naquele momento, porque eu sabia que não teria a mesma capacidade que ela.
Clarice queria me convencer que era o certo me deixar pra trás, as palavras dela passavam por mim de forma afiada que chegava a cortar a carne, agora viva, e deixar em exposição os ossos fracos do meu corpo.
Minha alma pedia aos silenciosos berros para que Clarice não me deixasse, silenciosamente eu gritava, não-me-deixe-preciso-de-você-pra-ter-vontade-de-viver. Mas era silencioso demais meu pedido de socorro e ela não era capaz de ouvir, ou talvez fosse capaz sim, só não queria ouvir tal pedido pra não se sentir mais culpada de uma decisão que nem ela, nem eu, sabia ao certo o porque de estar sendo tomada.
Clarice era firme em suas decisões, até mesmo as erradas que não as deixava de executar mesmo sabendo das conseqüências que viriam logo depois. Clarice era decidida como eu não era.
Clarice na verdade era tudo que eu não era ou tudo que eu não queria ser, ou tinha medo de ser, ou só não era e Clarice sabia ser perfeitamente. E era esse seu encanto. Até quando seca Clarice era doce e gentil nas verdades dolorosas que com suas mãos delicadas esfregava em minha face. E não poderia negar que eram verdades, mas não acreditava nelas ou não queria acreditar, porque não acreditar seria ainda pensar que Clarice seria mais feliz comigo e isso era mentira, porque eu era o lado feio de Clarice.
Clarice não gritava, raramente falava palavrão, sempre pedia desculpas e era educada com todos, talvez isso me fizesse sentir o lado feio dela, eu era tão grosso-sem-educação-que-falava-errado-de-forma-engraçada e ela a personificação do perfeito.
Clarice estava decidida a me deixar e eu ciente de que não poderia nada fazer para mudar sua opinião, para desfazer seus argumentos, talvez porque eu acreditasse nesses argumentos que ela fazia questão de frisar toda vez que eu olhava pra ela em silêncio e dizia quieto que a amava e essas palavras ela podia ouvir, por isso continuava a recolher todas as lembranças dela do apartamento, assim era mais fácil não voltar a trás e voltar pra mim onde era o seu lugar. Talvez por isso Clarice me deixava naquele momento, por não pertencer a lugar algum, por ser do mundo e meu desejo de te-la-pra-sempre-do-meu-lado a sufocasse, a deixasse sem ar. E Clarice estava sem ar ao meu lado. Eu a sugava, eu vivia sua realidade, eu sonhava seus sonhos e isso a torturava. Clarice queria mais. Mas liberdade de ser o que ela era e que eu a impedia de ser. Mas eu não sabia o que eu era sem ela, diferente dela, que sabia exatamente quem era sem minha presença inútil.
Clarice foi embora. Eu também.
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